A Falsa Economia do Moderno
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O tempo como prova da verdadeira sustentabilidade
“Desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades.” — este foi o primeiro conceito definitivo de “sustentabilidade”, criado em 1987 com o Relatório Brundtland da ONU (Our Common Future), que quando aplicado ao ramo da Construção-Civil ganha uma profundidade enorme.
A supressão das necessidades diárias é inevitável: habitação digna e acessível / infraestruturas seguras, funcionais e duráveis / espaços urbanos que promovam conforto e bem-estar. Conhecendo isso, este conceito cria responsabilidade na forma como construímos hoje, forma que vai definir se o processo é sustentável ou não.
Há vários exemplos de boas aplicações sustentáveis atualmente, mas o que vamos abordar no âmbito desta reflexão crítica é exatamente o prisma contrário — onde observamos que “…a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades.” não está a ser respeitada integralmente. Pode soar distante, mas em obra percebe-se rápido o que isto quer dizer. Seguimos com um exemplo para efeito de comparação:
O uso de gesso cartonado vs alvenaria tradicional
Dois sistemas construtivos, embora com a mesma finalidade, são fundamentalmente diferentes desde a sua aplicação até à sua composição. Quando o mesmo sistema construtivo já parece ultrapassado, levantam-se questões sobre se realmente tende a ser verdadeira essa afirmação ou não.
Os primeiros tijolos surgem a cerca de 7000 a.C., em barro cru, moldados à mão com palha e depois secos ao sol. Mais tarde, por volta de 3000 a.C., o tijolo cozido surgiu, como o que conhecemos hoje, conferindo maior resistência e durabilidade. Mas hoje, com o tijolo de composição moderna, conseguimos padronizar, melhorar o desempenho térmico e acústico e criar variantes que dependem de diferentes matérias-primas, garantindo uma redução real do impacto ambiental.
O gesso cartonado, inventado em 1894 por Augustine Sackett, tratava-se de uma placa de gesso prensado entre duas folhas de papel grosso. Anos mais tarde, foi aclamado como “SheetRock” aquando da sua primeira industrialização pela US Gypsum Company, na América do Norte, em 1901 — o antecessor do nosso “Pladur”, que na Europa só começou a difundir-se a partir da década de 70, especialmente em França, Alemanha e Reino Unido. A sua composição confere atualmente um núcleo de gesso natural ou sintético, revestimento em papel kraft de alta resistência e aditivos (amido, espumas, fibras, resinas, etc.) que lhe conferem melhor aderência, isolamento e resistência ao fogo e à humidade.
Apesar da eficiência e precisão que o gesso cartonado trouxe à indústria da construção, é necessário compreender que nem sempre o “moderno” representa o “melhor” — sobretudo quando se analisa o ciclo de vida dos materiais. A alvenaria de tijolo e o reboco tradicional, feito com cal e areia, exigem mais tempo e mais mão de obra, mas criam uma estrutura viva e respirável, capaz de regular a humidade interior e contribuir para o conforto térmico natural do edifício. Já o gesso cartonado, ainda que leve e rápido, introduz uma dependência de produtos industrializados, muitas vezes de origem distante, e compromete a durabilidade do conjunto construtivo.
Em termos de resiliência, um reboco bem executado pode durar 50 a 100 anos, enquanto uma parede em gesso cartonado dificilmente atravessa uma geração sem reparações. Essa diferença temporal traduz-se num impacto direto sobre a sustentabilidade real: o custo inicial pode ser menor, mas a necessidade de substituição frequente multiplica o consumo de recursos e o volume de resíduos.
Outro ponto crítico é que o gesso cartonado, pela sua natureza modular, exige uma coordenação perfeita entre especialidades — estruturas, eletricidade, climatização e acabamentos — para evitar problemas como fissuras, deformações ou pontes térmicas. Essa coordenação, embora possível, tem um custo humano e técnico elevado, muitas vezes desvalorizado nas fases de orçamento e planeamento. O resultado é conhecido a quem já tentou pôr eletricistas, canalizadores e pintores a trabalhar na mesma semana: se o ritmo falha, o gesso paga a conta. Divisórias frágeis, ruído entre compartimentos e a necessidade constante de manutenção são algumas das consequências. Já o sistema tradicional, embora mais pesado, tem uma tolerância maior aos erros, fruto da sua própria inércia física e da experiência acumulada de gerações de mestres de obra.
É justo dizer que o gesso cartonado tem o seu espaço. É rápido, versátil e responde à urgência do mercado. O problema não está no material em si — está no ritmo que o usa como desculpa. A pressa de construir barato transforma uma boa solução numa solução descartável.
A expressão “falsa economia”
A expressão “falsa economia” aplica-se aqui de forma literal. Optar pelo sistema mais barato e rápido, sem considerar a durabilidade e a manutenção futura, é transferir o custo para o futuro — um futuro que já não pertence à empresa que construiu, mas ao cliente, ao ambiente e à sociedade.
No fundo, essa é a essência da insustentabilidade: resolver o presente sacrificando o tempo. É o oposto do que defendia o conceito de desenvolvimento sustentável — um ciclo equilibrado, onde o tempo é parte integrante do valor.
Há também uma perda cultural neste processo. As técnicas tradicionais — reboco de cal, alvenaria de tijolo, cantaria — eram o resultado de séculos de experimentação empírica e adaptação ao clima e aos materiais locais. Eram respostas ao clima e à pedra que havia. Hoje, trocamos esse saber pela ficha técnica do fabricante. Ganhámos velocidade, mas perdemos a inteligência artesanal do edifício, a capacidade de entender como respira, dilata e envelhece.
O último ponto, e não menos importante, é o preço do vazamento destes materiais para centros de gestão de resíduos. Por tonelada, o gesso cartonado tem uma taxa de vazamento entre 180–225 €, e se apresentar contaminação (parafusos, perfis metálicos, etc.) é-lhe aplicada uma taxa extra de triagem que pode chegar aos 150 €/ton. No universo da alvenaria, os valores são “um pouco” mais simpáticos: entre 50–70 €/ton (dependendo da limpeza, segregação, transporte, etc.).
Recuperar esse equilíbrio não significa rejeitar a inovação, mas avaliá-la com o mesmo rigor com que avaliamos o tempo. Nem tudo o que é moderno é progresso; e nem tudo o que é antigo é atraso. O verdadeiro progresso, no setor da construção, é aquele que permite que o edifício viva tanto quanto o território que o sustenta.
Conclusão
O desafio da construção contemporânea não é apenas construir mais rápido e mais barato, mas construir com consciência — unindo tecnologia, durabilidade e ética. O gesso cartonado tem o seu lugar, tal como o tijolo e o reboco o tiveram, mas a sustentabilidade não pode ser medida pelo tempo de montagem, e sim pelo tempo de permanência.
“A verdadeira economia não é a do metro quadrado mais barato, mas a do muro que se afirma com o tempo.”
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